Batata de Trás-os-Montes
Nas traseiras da minha casa em Alfandega da Fé, os meus pais possuem um terreno, onde se cultivam batatas todos os anos.
Durante muito tempo a batata foi um dos alimentos base das populações do Norte de Portugal e um alimento essencial também lá em casa.
Cultivadas em pequenos minifúndios, serviam de alimentação durante todo o ano às populações rurais de Trás-os-Montes devido à sua capacidade de dormência, bastando para isso um local seco e escuro para as armazenar.
As batatas são originárias da América do Sul e foram trazidas para a Europa por volta de 1588. No entanto, será a partir do fim do século XVIII, que a batata foi introduzida no nosso país, sendo nessa altura chamada de “castanha da terra”, uma vez que desempenhou um papel importante na substituição desta nos hábitos alimentares da época. Na atualidade, desde 2007 que a União Europeia reconheceu a batata de Trás-os-Montes com a certificação de IGP (Indicação Geográfica Protegida) “Uma IGP é um nome geográfico ou equiparado que designa e identifica um produto originário desse local ou região, que possui uma determinada qualidade, reputação ou outras características que podem ser essencialmente atribuídas à sua origem geográfica e que, em relação ao qual pelo menos uma das fases de produção tem lugar na área geográfica delimitada” Fonte: Ministério da Agricultura
Este produto atingiu um nível de qualidade bastante elevado em Trás-os-Montes devido a um conjunto de fatores que vão desde as variedades do tubérculo da batata ao clima, ao solo e aos métodos de produção tradicionais característicos desse território. Designa-se por Batata de Trás-os-Montes, o tubérculo, parte terminal dum caule subterrâneo, da planta Solanum tuberosumL., da família das Solanáceas, vulgarmente designada por batateira que, por ser produzida nas condições agro-ecológicas particulares das montanhas e dos vales sub-montanos de Trás-os-Montes de acordo com as regras de produção adiante descritas e na área geográfica adiante delimitada, apresenta um elevado teor de amido e um sabor adocicado. As cultivares utilizadas são das seguintes variedades inscritas no Catálogo Nacional:
Desiree, Kennebec, Jaerla e Atlantic.
Mas voltemos à horta dos meus pais. Neste momento estamos a arrancar as batatas e a tratar de todos os pormenores para o seu armazenamento. É o terminar do ciclo que começou no fim do inverno com o estrumar e lavrar a terra.
O que procurar numa batata quando se confeciona? A morfologia da batata é muito conhecida, mas raramente os consumidores param uns minutos para pensar um pouco sobre este produto. Uma batata é uma batata e ponto, não há muito mais a dizer. A maior parte dos distribuidores também pouco ajudam. Quando passamos junto à secção da fruta e dos legumes é comum ver placas informativas de produto e preço. Em geral são divididas por Batata para Assar, Batata para Cozer, Batata Vermelha e Batata Amarela. E por aqui ficamos, o nível de informação ao consumidor parece um certificado que atesta que vê bem, se olha para a batata e vê que é vermelha, a tabuleta atesta que sim.
Se é assim, vamos lá então entender esta informação. Morfologicamente a batata apresenta uma cor de pele e uma cor da polpa que vai do branco ao branco amarelado, do amarelo ao amarelo claro e do rosa claro ao avermelhado. A forma da batata vai do arredondado ao comprido e o aspeto da pele pode ser liso ou algo rugoso. O tubérculo da batata das variedades comuns em Trás-os-Montes são compostos por água (75% a 80%) e hidratos de carbono (16%) especialmente amido. O resto são açucares solúveis, matérias azotadas, minerais e vitaminas.
Esta estrutura permite uma utilização mista da batata, sendo excelente para cozer e para fritar. No entanto das 4 variedades IGP de Trás-os-Montes cada uma apresenta características próprias que as tornam interessantes em determinadas confeções. Uma das características mais apreciadas da batata transmontana é o sabor adocicado e um leve travo mineral que ajuda a contrastar o sabor das carnes e enchidos transmontanos, algo gordos e pujantes de sabor. A variedade Desiree apresenta cor de pele vermelha e amarela clara da polpa após a cozedura. Devido ao seu conteúdo de amido (entre 13% a 16%) é ideal para fritar em palitosou fazer puré. Já variedade Kennebec apresenta cor de pele amarela clara e polpa branca. É excelente para cozer ou fazer puré mas muito versátil em qualquer tipo de confeção. O seu grau de amido mais equilibrado permite essa versatilidade.
Há uma frase comum, que diz que a batata vermelha é melhor para fritar e a amarela melhor para cozer e pouco mais se sabe. Essa frase serve para indicar o seguinte. Em geral as variedades de batata com uma cor avermelhada apresentam um conteúdo de amido entre 13% e os 16%, sendo chamada de batata farinhenta. A cozedura ou fritura transforma o amido em açucares e quanto mais elevado for o seu conteúdo menos firme será a textura da batata. Por exemplo, quando fritas em palitos as batatas deverão ficar com uma textura exterior crocante e um interior algo farinhentos e macias. Na outra extremidade esta a batata amarela ou esbranquiçada, que apresenta em geral conteúdos de amido entre os 8% e os 13%, aguentando desta forma com mais firmeza a cozedura.
As variedades Jaerla e Atlantic pertencem também à categoria das batatas firmes e apresentam ambas uma cor de pele amarelada. No entanto depois de cozida a cor da polpa da variedade Jaerla é mais amarelada enquanto que a cor da polpa da Atlantic é mais esbranquiçada. Isto significa que são ambas optimas para cozer, embora a Atlantic seja excelente para fritar a batata em chip ou palha.
Os agricultores transmontanos decidiam a variedade ou especificidades a plantar com base na sua versatilidade e também com as suas características de adaptabilidade aos terrenos e capacidade em suportar doenças como o míldio e parasitas como os escaravelhos. Estas 4 variedades são as que melhor se adaptaram e fazem já parte do nosso património alimentar. Deixo-lhe como sugestão que da próxima que for comprar batatas, utilize a simbiose entre vários factores que vão desde a boa relação qualidade/preço; prefira sempre produto nacional, neste caso recomendo vivamente a batata de Trás-os-Montes, o meu conhecimento adquirido quer pela experiência culinária, quer pelas razões culturais… e depois deleite-de, com aqueles que lhe são mais queridos, no pecado da gula com as melhores batatas, normalmente as de Trás-os-Montes. Porque comer bem é sem duvida viver melhor.