Alheira, pele crocante e estaladiça...
Já diz a história que a Alheira foi inventada pelos judeus refugiados em Trás-os-Montes que, por não consumirem carne de porco, acabavam por ser, facilmente, identificados e perseguidos.
A proibição da carne de porco na alimentação dos judeus está, claramente, expressa no capítulo 11 do Levitico: “Entre todos os animais da terra, eis que os que podereis comer: aqueles que tem os cascos fendidos e que ruminam (...). O Porco, que tem os cascos fendidos, mas não rumina, é impuro.”
Em Trás-os-Montes, era comum as famílias terem, ao longo do ano, nas suas cozinhas, os enchidos derivados da carne de porco, pendurados ao ar livre. Então, os judeus, para não serem identificados, começaram a fazer um enchido que diziam incluir carne de porco, quando o que tinha era carne de aves e de outros animais.
Os cristãos copiaram o método, introduziram no enchido a carne de porco e o processo revelou-se um excelente manjar. Assim, nasceu a Alheira.
Cada vez mais, a Alheira tem tido uma procura muito grande. Aproximam-se as denominadas “feiras de fumeiro”, verdadeiramente essenciais à economia do interior, de que dependem muitas centenas de famílias. Os enchidos transmontanos são, sem dúvida, uma das maiores atrações gastronómicas deste território, onde muitos visitantes retornam pelos seus pratos tentadores, cheios de tradição e, naturalmente, pela beleza natural desta região.
Aqui em casa, a tradição continua. Todos os anos, ainda se faz a matança tradicional do porco. É um dia de festa, um dia especial e, por isso, um motivo de sobra para juntar os amigos.
Naturalmente, as alheiras são preparadas a rigor. As mesmas são feitas no segundo dia após a matança. Também nesse dia não posso faltar, estou sempre presente.
Por volta das 6h30, as panelas de ferro começam a tomar posição à volta da lareira, nestas panelas cozinhamos as carnes: os ossos da assua, as cabeças dos porcos, a carne gorda da parte da barriga e as galinhas velhas que criámos ao longo do ano. Quando as carnes estão cozidas, preparamos as tradicionais SOPAS DAS ALHEIRAS, fazemos uma pausa nos trabalhos e vamos todos para a mesa. Mais um momento alto para quem é apaixonado pela tradição e aprecia a gastronomia popular portuguesa. Deliciamo-nos colherada atrás de colherada, a roer os ossos da assua e, de seguida, a lamber os dedos... Uma iguaria singular que só é possível comer nesse mesmo dia. E a vontade e o desejo permanecem de um ano para o outro... Depois regressamos aos trabalhos, as carnes são, cuidadosamente, desfiadas e outras cortadas em pequenos cubos para depois juntar ao restante preparado das alheiras.
Na semana seguinte regresso a casa dos meus pais, lareira acesa, brasas na frente, a grelha a aquecer e lá saltam as alheiras para cima da grelha... crocantes e estaladiças, é assim que eu gosto, seja ao pequeno-almoço, ao almoço, ao lanche ou ao jantar.
Para quem não sabe a matança ou abate de animais, nas casas particulares, ainda, é permitido:
O Despacho n.º 14535-A/2013, publicado a 11 de Novembro de 2013, entrou em vigor a 1 de janeiro de 2014. Através deste despacho, é autorizada a matança de animais fora dos estabelecimentos aprovados para este fim. O ponto 2 deste despacho, refere:
"É autorizada a matança para autoconsumo de bovinos, ovinos e caprinos com idade inferior a 12 meses, de suínos, aves de capoeira e coelhos domésticos, desde que as carnes obtidas se destinem exclusiva- mente ao consumo doméstico do respetivo produtor, bem como do seu agregado familiar, e sejam respeitadas as seguintes condições(...)"