A consciência do bem comum

O país continua de quarentena, tenho muito tempo para me sentar e observar como o mundo se está a comportar. Começo a detetar um padrão estranho nas redes sociais que não me apercebia anteriormente – a noção de um bem comum. Em vez de ser como eu estava acostumado em Trás-os-Montes é mais algo parecido com o género “não compres a mais no supermercado porque necessito da minha parte” ou então “fica em casa e não me venhas contaminar”. A ideia que necessitamos uns dos outros vai-se instalando tenuemente. As pessoas vão-se dando conta que os seres humanos são entidades que vivem em cooperação.

A sociedade é gerida por regras éticas e morais desenvolvidas ao longo de séculos de evolução. Se eu fosse à caça com o leitor e eu caçasse um javali e o leitor nada caçasse, deveria eu partilhar a minha caça consigo? Inversamente se o leitor fosse apanhar um cesto grande de cogumelos, o facto de eu ser mais forte e poderoso, dar-me-ia o direito de me apoderar desses cogumelos?

Estas questões são atualmente muito mais complexas. Os seres humanos passaram a viver em sociedades maiores que aquelas que existiam anteriormente. Embora formassem grandes grupos como países ou impérios, a maioria da sua rede de contactos era com um número muito reduzido de pessoas, em geral não ultrapassaria os 200 indivíduos. Esses indivíduos eram as pessoas que colaboravam diretamente na localidade onde viviam.

Neste contexto mais restrito todos sabiam o que era o bem comum, a diferença entre o bem e o mal e o certo e o errado. O bem comum era o cimento que ligava todos ao mesmo destino – subsistir durante os períodos de fome ou fartura.

Verifico que as pessoas pedem união como antigamente, mas verifico que há falta de vontade. A base da comida de subsistência é o envolvimento no processo longo e penoso de obter alimento ao ritmo das estações. Envolve resultados a longo prazo. O que as redes sociais pedem com união são resultados a 15 dias, feitos para que se esqueça esta pandemia o mais rapidamente possível e não mudar radicalmente a forma como vivemos. Talvez já não exista qualquer esperança para nós. Ou talvez exista. Neste momento não sei. 

A união que existia nas localidades do interior era fomentada por uma necessidade de sobreviver em conjunto através da cooperação. Mas implicava seguir as regras e evitar o individualismo. Eu não desejo uma sociedade tão restrita e sem o saudável individualismo dos seres humanos. Apenas um pouco mais de colaboração nos temas alimentares. E poder desta forma colocar a comida de subsistência no lugar que ela merece, na distinção de Forma de Vida Saudável. Essa distinção deveria ser abraçada por todos e vista como um elemento da gastronomia de origem portuguesa. 

Vejamos isto, o Pingo Doce faz publicidade a dizer que vai comprar os produtos aos nossos agricultores, mas só agora é que se lembraram! Quantas vezes já falei neste assunto… não podemos deixar “morrer” os pequenos agricultores, os nossos saberes e sabores.

O bem comum é uma dádiva da natureza para que o homem o utilize de forma correta e com consciência. Não é um bem que apenas alguns seres humanos podem usar.
Como é que vocês se sentem em saber que um barco industrial de pesca pode destruir uma reserva de peixe acabando com o ofício de muitos pequenos pescadores? Sente-se bem cada vez que está a comer um filete ultra-congelado em alto mar sabendo que o resto do peixe é desperdiçado?

Pensem nisto.